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Uma boneca russa em Rio Grande

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Hoje, no Casulo, a CL conversa com a escritora Daniela Delias.

Nascida em Pelotas, Daniela é formada em Psicologia pela Universidade Católica de Pelotas, doutorada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e trabalha como professora na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), onde mora. Ano passado, Daniela lançou o seu livro de estreia "Boneca Russa em Casa de Silêncios", pela Editora Patuá.
Na entrevista abaixo, a escritora nos conta um pouco sobre seu livro, como funciona seu processo de criação e dá sua opinião sobre a relação internet x novos autores.



Corrente Literária: Você publicou ano passado o seu livro de estreia "Boneca Russa em Casa de Silêncios", pela Editora Patuá. Por que poesia? Qual o significado do título?
Daniela Delias: A minha aproximação com a poesia talvez se explique pela forma como me dedico à leitura do gênero: é uma necessidade. Eu me sinto absolutamente ligada à poesia, à leitura diária de diversos autores e ao desejo de sempre descobrir novos poetas e escritores. Penso que a publicação de um livro de poesia mais de vinte anos após a escrita dos primeiros poemas poderia indicar uma crença em um possível processo de amadurecimento, o qual envolve a escrita. O título “Boneca Russa em Casa de Silêncios” veio de um poema que está no livro, chamado “Dentro”. Há uma parte do poema que diz: “Eu estava aqui dentro, você me ouvia?/ boneca russa em casa de silêncios/ antes do verbo, dentro da carne/ meus tambores apontavam a direção...”. Há inúmeras possibilidades de leitura, mas talvez me referisse, no momento da escrita, a esses tantos dentros que compõem os meus silêncios. Havia lido um conto belíssimo do escritor Assis Freitas, chamado “A intangível”, no qual o narrador fala sobre o amor por uma mulher e do tanto que é preciso andar/entrar até acessá-la: ela está em uma cidade, dentro da cidade há uma rua, dentro da rua há uma casa, dento da casa há um quarto...e por aí vai (risos). Tão dentro, impossível – diz a personagem. Ao mesmo tempo, o que está dentro de um pode ser acessado pelo outro, como ocorre na leitura de um poema. Por mais silenciosa e de difícil acesso que seja a última bonequinha que compõe a Matrioska do meu imaginário, ela toca tambores, tambores que apontam uma direção. 

CL: Qual a temática do livro?
DD: Não sei se conseguiria definir uma temática. Mas creio que muitos poemas que estão no livro falam sobre desejos e esperas, presenças e ausências, palavras e silêncios, e também sobre o ser poeta, sobre o prazer e o desprazer presentes na escrita poética.

CL: Qual seu processo de criação?
DD: O meu processo criativo começa geralmente de uma inquietação, de um desejo. Esse desejo, na maior parte das vezes, associa-se a uma palavra ou frase, mas tenho a impressão de que a palavra seria uma espécie de elaboração secundária de algo que inicialmente não tem nome: uma sensação, sentimento, uma reação às coisas de dentro (tenho a impressão de que, mesmo considerando estímulos externos, o poema só acontece porque se liga ao desejo, ao que está dentro). Eu não chamaria a isso, necessariamente, de inspiração. Para mim, dificilmente um poema surge de forma livre, espontânea, ou como uma psicografia (risos). Há uma espécie de mergulho inicial, e ele só acontece quando consigo vir à superfície para respirar e pensar sobre o conteúdo. E, uma vez iniciado o processo, há um trabalho posterior de lapidação, de cuidado com a palavra. A “inquietação” pode durar vários dias e se transformar (ou não) em versos. De certa forma, reconheço uma rotina na minha criação. Eu preciso estar só e em contato com outras leituras, e normalmente escrevo durante a madrugada, sem os sons do dia. Ainda não trabalhei com uma temática prévia ou com a ideia de textos que podem compor um conjunto. O que escrevo publico inicialmente em meu blog, sem pensar necessariamente que outras publicações o poema poderá ter. Depois de publicados no blog, alguns poemas foram publicados em livro, na Agenda da Tribo e também em revistas literárias muito interessantes, como a Germina, a Mallarmargens e a Diversos Afins, o que considerei uma consequência legal para uma escrita que nasce sem esse objetivo.
  
CL: Você mantém o blog Do lado de cá, onde posta poesias. Você acha um bom exercício?
DD: Eu criei o blog em 2008, incentivada por dois amigos queridos que tinham contato com a minha escrita, os poetas Giliard Ávila Barbosa (Rio Grande - RS) e Marília Flôor Kosby (Arroio Grande – RS). No começo deste ano, desativei o “Do lado de Cá” e passei a escrever em um segundo espaço, chamado “Sombra, silêncio ou espuma. Eu considero fundamental a edição dos dois blogs para o meu processo de amadurecimento como poeta e, sobretudo, pela possibilidade de interlocução com leitores e escritores. Como disse anteriormente, é neste espaço que publico inicialmente, sem a pretensão de ter outras publicações, mesmo considerando excelente a ideia de publicar em diversos meios. Ocorre que a publicação em livro e revistas literárias não levou de mim o desejo de continuar a publicar no blog.  Contudo, tenho a impressão de que os blogs não são lidos com a mesma frequência de tempos atrás, o que lamento. Talvez isso se deva às mídias que permitem que a informação circule de forma mais rápida, como é o caso do Facebook.

CL: Qual a funcionalidade da internet, na sua opinião, para os novos autores?
DD: Considero a internet um meio incrível para a apresentação de trabalhos literários. Há autores que eu jamais teria acessado fora do meio virtual. Penso que da mesma forma eu também não seria lida. Conheci grandes poetas e escritores via internet. Porém, entendo que, no caso da autopublicação, enfrenta-se um desafio: pensar a respeito da qualidade do que é apresentado, e trabalhar no sentido do crescimento, do amadurecimento. Precisamos ler muito, e talvez o desejo da leitura devesse se sobrepor ao da publicação ou, no mínimo, andar lado a lado. A internet contribui para ampliar o acesso à literatura, mas é vital que o material produzido tenha qualidade. Do contrário, como permanecer em dias de tantas urgências em relação ao que se vive e lê?

CL: Você trabalha como professora de Psicologia na FURG - Universidade Federal do Rio Grande. Qual a importância da Psicologia na sua vida? Qual a influência dela na sua literatura?
DD: A psicologia é algo que não se separa do que entendo como a minha identidade, mesmo quando penso nessa identidade como algo em constante construção. É uma grande paixão. Há 18 anos atuo como psicóloga, sendo que nos últimos 10 anos tenho me dedicado ao ensino de psicologia, particularmente de Psicanálise e Psicologia do Desenvolvimento. As influências dessas duas áreas do pensamento psicológico na minha escrita são muito significativas. Na Psicanálise lidamos muito de perto com as relações entre desejo e palavra, com os signos, os sentidos, as metáforas. A imagem de uma boneca russa em uma casa de silêncios é para mim algo muito próximo dos mergulhos psicanalíticos que empreendo no trabalho e na vida pessoal, bem como do meu processo de desenvolvimento da infância até aqui. 

CL: O que você tem lido? E o que indica?
DD: Tenho lido poesia (risos). Muitos livros de poesia: Paulo Leminski, Manoel de Barros, Hilda Hilst, Ana Cristina Cesar, Adélia Prado, Mario Quintana, Alejandra Pizarnik, Nina Rizzi, Lalo Arias, Nydia Bonetti, André Ricardo Aguiar, Eduardo Lacerda, Assis Freitas, Lilian Aquino, Juliana Bernardo, só para citar alguns! Tenho lido muitos poetas que ainda não publicaram em livro, e escrevem brilhantemente em seus blogs.  Em prosa, destaco três escritoras maravilhosas: Andréia Pires, Helena Terra e Letícia Palmeira. Mas a lista é enorme, impossível descrever aqui...



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