Hoje, no Casulo, a CL conversa com a escritora Daniela Delias.
Nascida em Pelotas, Daniela é formada em Psicologia pela Universidade Católica de Pelotas, doutorada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e trabalha como professora na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), onde mora. Ano passado, Daniela lançou o seu livro de estreia "Boneca Russa em Casa de Silêncios", pela Editora Patuá.
Na entrevista abaixo, a escritora nos conta um pouco sobre seu livro, como funciona seu processo de criação e dá sua opinião sobre a relação internet x novos autores.
Corrente Literária: Você
publicou ano passado o seu livro de estreia "Boneca Russa em Casa de
Silêncios", pela Editora Patuá. Por que poesia? Qual o significado do
título?
Daniela Delias: A minha aproximação com a poesia talvez se explique
pela forma como me dedico à leitura do gênero: é uma necessidade. Eu me sinto
absolutamente ligada à poesia, à leitura diária de diversos autores e ao desejo
de sempre descobrir novos poetas e escritores. Penso que a publicação de um
livro de poesia mais de vinte anos após a escrita dos primeiros poemas poderia
indicar uma crença em um possível processo de amadurecimento, o qual envolve a
escrita. O título “Boneca Russa em Casa de Silêncios” veio de um poema que está
no livro, chamado “Dentro”. Há uma parte do poema que diz: “Eu estava aqui dentro, você me ouvia?/ boneca russa em casa de
silêncios/ antes do verbo, dentro da carne/ meus tambores apontavam a
direção...”. Há inúmeras possibilidades de leitura, mas talvez me
referisse, no momento da escrita, a esses tantos dentros que compõem os meus silêncios. Havia lido um conto
belíssimo do escritor Assis Freitas, chamado “A intangível”, no qual o narrador
fala sobre o amor por uma mulher e do tanto que é preciso andar/entrar até
acessá-la: ela está em uma cidade, dentro da cidade há uma rua, dentro da rua
há uma casa, dento da casa há um quarto...e por aí vai (risos). Tão dentro,
impossível – diz a personagem. Ao mesmo tempo, o que está dentro de um pode ser
acessado pelo outro, como ocorre na leitura de um poema. Por mais silenciosa e
de difícil acesso que seja a última bonequinha que compõe a Matrioska do meu
imaginário, ela toca tambores, tambores que apontam uma direção.
CL: Qual
a temática do livro?
DD: Não sei se conseguiria definir uma temática. Mas
creio que muitos poemas que estão no livro falam sobre desejos e esperas,
presenças e ausências, palavras e silêncios, e também sobre o ser poeta, sobre
o prazer e o desprazer presentes na escrita poética.
CL: Qual
seu processo de criação?
DD: O meu processo criativo começa geralmente de uma
inquietação, de um desejo. Esse desejo, na maior parte das vezes, associa-se a
uma palavra ou frase, mas tenho a impressão de que a palavra seria uma espécie
de elaboração secundária de algo que inicialmente não tem nome: uma sensação,
sentimento, uma reação às coisas de dentro (tenho a impressão de que, mesmo
considerando estímulos externos, o poema só acontece porque se liga ao desejo,
ao que está dentro). Eu não chamaria a isso, necessariamente, de inspiração.
Para mim, dificilmente um poema surge de forma livre, espontânea, ou como uma
psicografia (risos). Há uma espécie de mergulho inicial, e ele só acontece
quando consigo vir à superfície para respirar e pensar sobre o conteúdo. E, uma
vez iniciado o processo, há um trabalho posterior de lapidação, de cuidado com
a palavra. A “inquietação” pode durar vários dias e se transformar (ou não) em
versos. De certa forma, reconheço uma rotina na minha criação. Eu preciso estar
só e em contato com outras leituras, e normalmente escrevo durante a madrugada,
sem os sons do dia. Ainda não trabalhei com uma temática prévia ou com a ideia
de textos que podem compor um conjunto. O que escrevo publico inicialmente em
meu blog, sem pensar necessariamente que outras publicações o poema poderá ter.
Depois de publicados no blog, alguns poemas foram publicados em livro, na
Agenda da Tribo e também em revistas literárias muito interessantes, como a
Germina, a Mallarmargens e a Diversos Afins, o que considerei uma consequência
legal para uma escrita que nasce sem esse objetivo.
CL: Você
mantém o blog Do lado de cá, onde posta poesias. Você acha um bom
exercício?
DD: Eu criei o blog em 2008, incentivada por dois
amigos queridos que tinham contato com a minha escrita, os poetas Giliard Ávila
Barbosa (Rio Grande - RS) e Marília Flôor Kosby (Arroio Grande – RS). No começo
deste ano, desativei o “Do lado de Cá” e passei a escrever em um segundo espaço, chamado “Sombra, silêncio ou espuma”.
Eu considero fundamental a edição dos dois blogs para o meu processo de
amadurecimento como poeta e, sobretudo, pela possibilidade de interlocução com
leitores e escritores. Como disse anteriormente, é neste espaço que publico
inicialmente, sem a pretensão de ter outras publicações, mesmo considerando
excelente a ideia de publicar em diversos meios. Ocorre que a publicação em
livro e revistas literárias não levou de mim o desejo de continuar a publicar
no blog. Contudo, tenho a impressão de
que os blogs não são lidos com a mesma frequência de tempos atrás, o que
lamento. Talvez isso se deva às mídias que permitem que a informação circule de
forma mais rápida, como é o caso do Facebook.
CL: Qual
a funcionalidade da internet, na sua opinião, para os novos autores?
DD: Considero a internet um meio incrível para a
apresentação de trabalhos literários. Há autores que eu jamais teria acessado
fora do meio virtual. Penso que da mesma forma eu também não seria lida.
Conheci grandes poetas e escritores via internet. Porém, entendo que, no caso
da autopublicação, enfrenta-se um desafio: pensar a respeito da qualidade do
que é apresentado, e trabalhar no sentido do crescimento, do amadurecimento.
Precisamos ler muito, e talvez o desejo da leitura devesse se sobrepor ao da
publicação ou, no mínimo, andar lado a lado. A internet contribui para ampliar
o acesso à literatura, mas é vital que o material produzido tenha qualidade. Do
contrário, como permanecer em dias de tantas urgências em relação ao que se vive
e lê?
CL: Você trabalha como professora de
Psicologia na FURG - Universidade Federal do Rio Grande. Qual a
importância da Psicologia na sua vida? Qual a influência dela na sua
literatura?
DD: A psicologia é algo que não se separa do que
entendo como a minha identidade, mesmo quando penso nessa identidade como algo
em constante construção. É uma grande paixão. Há 18 anos atuo como psicóloga,
sendo que nos últimos 10 anos tenho me dedicado ao ensino de psicologia,
particularmente de Psicanálise e Psicologia do Desenvolvimento. As influências
dessas duas áreas do pensamento psicológico na minha escrita são muito significativas.
Na Psicanálise lidamos muito de perto com as relações entre desejo e palavra,
com os signos, os sentidos, as metáforas. A imagem de uma boneca russa em uma
casa de silêncios é para mim algo muito próximo dos mergulhos psicanalíticos
que empreendo no trabalho e na vida pessoal, bem como do meu processo de
desenvolvimento da infância até aqui.
CL: O que você tem lido? E o que indica?
DD: Tenho lido poesia (risos). Muitos
livros de poesia: Paulo Leminski, Manoel de Barros, Hilda Hilst, Ana Cristina Cesar,
Adélia Prado, Mario Quintana, Alejandra Pizarnik, Nina Rizzi, Lalo Arias, Nydia
Bonetti, André Ricardo Aguiar, Eduardo Lacerda, Assis Freitas, Lilian Aquino,
Juliana Bernardo, só para citar alguns! Tenho lido muitos poetas que ainda não
publicaram em livro, e escrevem brilhantemente em seus blogs. Em prosa, destaco três escritoras
maravilhosas: Andréia Pires, Helena Terra e Letícia Palmeira. Mas a lista é enorme,
impossível descrever aqui...
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O livro da Daniela é um belo exemplo de sutileza e delicadeza, de um lirismo anelado em fios e lâminas
ResponderExcluirabs
Parabéns, Delias.
ResponderExcluirO Dani, adoro sua poesia!
ResponderExcluirBeijos!