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A Confissão de Lúcio, de Mário de Sá-Carneiro

terça-feira, 9 de abril de 2013


"Não importa que me acreditem, mas só digo a verdade - mesmo quando ela é inverossímil."

E é assim que Mário de Sá-Carneiro inicia uma das novelas mais marcantes do modernismo português: A Confissão de Lúcio.


A confissão de Lúcio data de 1914 e foi escrita por Mário de Sá-Carneiro, um dos grandes poetas portugueses da virada do céulo XIX/XX. Envolto em ares que lembra muito Lolita, de Nabokov, o escritor começa a novela do fim para o começo.

O narrador-personagem, Lúcio, começa afirmando ser inocente do crime de assassinato a que fora condenado dez anos antes. Segundo o personagem, aquela não é uma novela, mas sim um relato claro dos fatos, mesmo que eles não pareçam ser reais. A partir de então, começa a contar detalhadamente a sua história desde quando conhecera a suposta vítima, Ricardo, até o dia do crime.

A novela passa-se alternadamente entre Portugal e França de 1895. A princípio, Lúcio não relaciona-se diretamente com Ricardo. Sabe-se deste a partir de Gervário Villa-Nova, grande escultor português de que Lúcio tem amizade. Portanto, pode-se dizer que a novela ganha segunda parte e virada na história a partir do momento que Lúcio conhece Ricardo na França, por intermédio de Gervásio.

É uma época em que os artistas, muitos deles, discutiam qual era a validade da arte e o que podia ser considerado arte. Num enredo mágico, os personagens instigam-se, provocam-se e se alimentam das dúvidas e dilemas dos outros. É exatamente por isso, pela identificação de gostos e pensamentos, que Ricardo e Lúcio tornam-se amigos.


Nesta dita segunda parte, há um tom muito inerentemente homossexual. Lúcio e Ricardo são melhores amigos, precisam estar sempre juntos e quando não estão, pensam um no outro. Suas vontades são as mesmas, as ideias e as particularidades defeituosas, também. Andam tão juntos que é a partir deste momento que o escritor começa a dar ares de que talvez tudo o que parecia ser até então, não era de verdade.

Em dado momento, um dos pontos altos da novela, Ricardo afirma ser impossível apaixonar-se, porque da paixão seria impossível retirar tudo que ele realmente aprecia: o outro em seu ser completo. Ricardo continua afirmando que um beijo, para ele, seria como comer o outro, sorver da boca algo muito maior que só um beijo.

Ricardo então volta para Portugal e casa-se com Marta. E dá-se início a terceira parte, a mais confusa e alvo de tantas discussões ainda hoje. Marta é considerada a ponte entre Ricardo e Lúcio. Apesar das imensas semelhanças, haviam grandes diferenças e Marta aparece para apaziguá-las, mas também evidenciá-las. A partir de Marta, e desse triângulo amoroso feroz, conseguimos notar como Ricardo e Lúcio são opostos, como se desconhecem e como podem se machucar.

Num final trágico, Lúcio prova sua inocência, mas revela que nunca a fizera anteriormente porque ninguém lhe daria crédito. Lúcio, Ricardo e Marta são personagens audaciosos, vorazes e famintos. Nascem em uma geração que tentava romper bases de criação dos grandes romances portugueses. Uma forma diferente e inovadora de escrever. Uma leitura deliciosa e fascinante, de um escritor que marcou seu tempo e fez bonito.

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