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Titereiro

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

por Eric Novello

Vazio como um fantoche sem a mão que lhe comanda, rodo a caneta entre os dedos, sua tampa há muito perdida, a ponteira azulada de um estouro que por pouco não a condenou. Ciente da mentira, finjo que em algum momento do tempo presente a tinta borrará o papel em coma sobre a mesa e pintará em letras a agonia que me devora. No instante do toque, como um fio desencapado que encontra lábios curiosos, a eletricidade percorrerá acrílico e celulose e me imbuirá de uma função. A essa função chamarei de vida ou talvez de nada, e esse nada me bastará.

A mim, não importará o sentido das palavras, somente o movimento de falanges e metacarpos, a tendinite que engessa o punho, o roçar do cotovelo descascado no encosto da cadeira, um impulso sinestésico qualquer que me faça abstrair do silêncio e consiga destronar a audição em sua tirania.

Mudo, revezo os olhos entre diferentes branquidões à espera do barulho dos motores que anunciarão a sua chegada. De pé atrás da porta no aguardo do elevador, intuirei que as brigas ficaram para trás e que até a morte é passageira. Saberei que você veio, movido por um fiapo de arrependimento no topo da cabeça dura, entrelaçar novamente nossos tormentos mais gentis. E quando a pele tocar a pele, quando o nariz chegar à nunca incinerando peça por peça as roupas no caminho, o gozo inundará de certezas as entranhas, e os resquícios de dúvida se dissiparão.


Mas o elevador não para. Continua a subir. A folha, a caneta, eu. Todos mortos. É só a inércia que me impede de nos empilharmos no lixo à espera da próxima quarta-feira, quando a moça da limpeza passará assobiando e nos recolherá em um saco esverdeado, para depois das oito nos depositar na caçamba da rua. É para evitar a fuga covarde que sigo aqui, de silêncio em silêncio, reciclando pequenos módulos de realidade calcados em pazes imaginárias, sorrisos de canto de boca e uma agonia que não se restringe à escuridão. Atrevida, ela invade a casa ainda clara e me pega de olhos abertos, prega as pálpebras com tamanha intensidade que, almejando dormir, nem consigo piscar. Já ela, com um currículo que antecede minha mais elaborada paranoia, dorme ali quietinha, no fundo do peito, no átrio mais espaçoso do coração.

De pernas cruzadas, chinelo tombado do pé, tento entender esta saudade de quem ainda não partiu. Alongo os braços para os lados e exponho a carne que tenho de mais nobre a esse golpe civilizado que me lançará ao chão. A muralha, mureta de criança feita de sonhos e areia molhada, tombará então mais uma vez. Com os joelhos ralados no pó do concreto, procurarei quietinho entre os destroços uma origem passível de um pisão, a ser esmagada como uma formiga, mas não haverá nada lá além de cordas, botões e um pedaço de tecido. 

Os objetos não farão sentido, eu sei. Mas jamais se exigiu sentido da dança das sombras na parede.

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