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Na rua, quem a gente encontra vira história

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Nunca fui de ler. No máximo pegava a bíblia de domingo durante o culto, acompanhava a leitura do pastor e me segurava para não dormir depois. Tratando-se de escrever então, piorou. Não escrevia os emails que eu tinha que mandar pela empresa, os relatórios, nem nada do tipo. Não escrevi carta alguma de amor, nem quando moço, nos meus tempos de juventude. Não escrevi, ao menos, algo para dizer para minha noiva, antes, durante ou depois do casamento. Para nenhuma das duas mulheres com quem me casei. Só me lembro de ter escrito um bilhete, um único bilhete de despedida para uma de minhas filhas. Bilhete esse que nem deve existir mais. Mas, apesar de tudo, sempre admirei quem tem o dom de dominar as palavras, é coisa de gente importante. Certamente, quem tem dons como esse se dará bem na vida. 

Ainda bem que algumas coisas mudam. Hoje em dia, imploro por achar algum pedaço de jornal velho, pode ser até coluna social, tem tanta coisa nesse caderno que só quem lê sempre acaba descobrindo. E sobre escrever...

Certa vez, achei um jornal no banheiro da rodoviária de São Paulo, não faz muito tempo. Ele estava dentro de uma bolsa de couro embaixo da pia da direita, dava pra ver só a pontinha dele sobre um pedaço de blusa bege jogada no chão. Era tarde e não havia mais ninguém ali, alguém havia esquecido. Provavelmente, um moço de barba mal feita com algum óculos desses que está na moda e um fone de ouvido. Acabei pegando a bolsa e o jornal por curiosidade e comecei a folheá-lo até chegar em uma página cheia de rabiscos e anotações. Era em uma parte que havia uma lista das melhores casas noturnas do estado de São Paulo, já haviam várias marcações em "x" sobre algumas delas. Depois de um tempo sentado na altura da plataforma 22, me distraindo com os nomes exóticos dos lugares relacionados, percebi que algo soava de dentro da bolsa. Ainda não havia me atrevido a xeretar, mas imaginei que existisse algum celular ali dentro. E tinha, estava tocando. Atendi e rapidamente fui surpreendido por jovem perguntando por sua bolsa. Marcamos de nos encontrar, ele disse que viria até mim. Hora e tantas da madrugada e ele apareceu, fiquei em choque. Um moço novo, com seus 27 anos, de aparência calma, apesar de tudo. Ele estava com as roupas todas rasgadas, tinha machucados pelo rosto, sangue pela camisa e em seu pescoço. Triste e esgotado. Com a voz falhada como no começo de um choro, me pediu para que não chamasse a polícia. Quando perguntei o que havia acontecido, apenas me respondeu "Não é fácil ser gay". Saiu sem deixar espaço para mais perguntas, talvez por já não conhecer mais as respostas.

No jornal do dia seguinte, vi a chamada em letras garrafais "Mais um jovem se suicida na linha do metrô de São Paulo". Na matéria, sua mãe dizia que ele havia ligado horas antes de cometer o suicídio, disse que, novamente, havia sido abusado enquanto usava um banheiro público e que não aguentava mais isso. Já era a terceira vez desde que se assumiu e passou a escrever sobre as baladas GLS do estado, quando começou a ser reconhecido por seu trabalho, até mesmo nas ruas. 

Sim, ele tinha a barba por fazer e olhos bem profundos, olhos de sonhador. Seu nome? Lucas. Desde que o vi e depois, quando soube de sua história, passei a ter um olhar diferente sobre essa gente de quem o pastor falava tão mal. Ainda bem que algumas coisas mudam, pelo menos dentro de mim.


3 comentários:

  1. Lindo texto. Tão importante e raro quando as coisas nos antinge e mudam nossas vidas. A gente devia se atentar nais aos detalhes e a quem sofre com o preconceito, que é tão camuflado sob maneirismos e piadas.

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  2. Foi impossivel conter as lágrimas ao final do texto...realmente tocante.

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  3. É realmente muito triste. E sim, não é fácil ser gay.

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