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O Fantástico Mundo de Eric Novello

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Hoje, no Casulo, um dos escritores mais respeitados dessa nova geração: Eric Novello.


Ele tem quatro livros publicados, participou de grandes antologias, como Geração Subzero, Fragmentos do Inferno e a mais recente, Assim Você me Mata. Pela Editora Draco, em 2012, lançou o seu mais recente A Sombra no Sol e prepara para esse ano, Magos Urbanos, três livros que permeiam o universo de fantasia de temática adulta.

Eric nasceu no Rio de Janeiro, mas mora, atualmente, em São Paulo. Estreou na literatura em 2004 com "Dante - O Guardião da Morte" e, além de publicar seus romances, atua como leitor crítico, copidesque e tradutor. Divide seu apartamento com Odin, seu gato, cultiva alguns cactos e não resiste a uma partida de Mortal Kombat. A seguir, uma entrevista o escritor falando um pouco sobre o início de sua carreira, o hiato que deu na literatura entre 2005 e 2010 e o carinho que cultiva por livros digitais.

Corrente Literária: Você escreve há oito anos, mas houve um hiato grande entre o Noites Cariocas, seu livro de 2005, até o Neon Azul, de 2010. Por que você deu esse tempo?
Eric Novello: Para te responder, vou voltar um pouco no tempo e juntar as peças. 
Quando decidi ser escritor, não sabia se conseguiria estruturar um livro. Eu sentei em frente ao computador e me perguntei: e agora? De onde virão as ideias? Como elas irão se organizar? Eu não sabia nada disso, tinha poucas ferramentas disponíveis. Minha formação vinha da área biomédica e minha biblioteca não era das maiores. Ainda assim, insisti no desafio e daí nasceu o Dante, o guaridão da morte, meu maior romance até o momento. Com ele eu entendi a disciplina necessária para tocar um projeto deste porte e a necessidade de dizer não para os programas e conseguir tempo para a escrita. O Dante me permitiu aprender o básico sobre um livro de entretenimento: eu criei personagens interessantes, fiz uma pesquisa imensapara a ambientação, plantei um monte de reviravoltas, gerenciei um elenco maior que o do Manoel Carlos. Mas era pouco.
Embora o Dante fosse um herói atormentado, eu queria algo mais próximo de mim, mais sincero.Então arrisquei o Histórias da Noite Carioca, um livro de humor. Muito do que está lá são histórias vividas e ouvidas nos meus 20 anos de idade. Ainda assim, havia um problema. Eu não era livre para ir aonde os personagens precisassem, e um autor precisa ser livre, senão nada feito. Por n motivos, eu tinha medo de me expor. O humor do Histórias nada mais é do que uma barreira de proteção, se pararmos para pensar. Ele foi feito para rir, faltava o resto.
Então eu me propus outro desafio, escrever o Neon Azul. E logo em suas páginas iniciais eu fracassei. Eu não tinha o mínimo de condições de escrever o que eu queria. Como autor, eu precisava de mais ferramentas, de maior bagagem cultural. Como pessoa, eu precisava me livrar do medo de ser julgado, eu precisava parar de me esconder. Por isso o intervalo de cinco anos. Nesse período, fui tentando e fracassando dentro daquelas portas azuis.
Junto com a escrita, a vida foi se transformando também. Nesses cinco anos eu comecei a trabalhar, conquistei minha independência financeira e tive a experiência que mudou completamente o meu jeito de pensar: cursar escola de cinema no Instituto Brasileiro de Audiovisual. Nessa época, li mais livros e vi mais filmes do que tinha feito a vida inteira. E, melhor, tive por perto profissionais de respeito para debater o meu entendimento sobre eles. Tive a sorte de conviver com gente sem medo do mundo. Saí da minha zona de conforto e mergulhei de cabeça naquele mundo novo que me convidada a habitá-lo. Para treinar, escrevi dois livros de 60 mil palavras cada. Um deles uma versão de Alice. O outro um policial surrealista. Aceitei convites para algumas coletâneas. Criei uma série semanal no blog para me forçar a textos mais complexos. E, mais importante do que tudo isso, comecei a procurar as chaves das algemas que ainda prendiam meus pulsos.
Tenho um texto de linhas em simbiose com as entrelinhas. A história descrita que faz o leitor imaginar a história de verdade. É assim que meus livros fazem sentido, é assim que minha escrita se sustenta. Como autor, demorei seis anos de prática e estudo para chegar aí, não no ápice, mas na base de um processo que será constante e interminável. A vitória pessoal, essa me custou bem mais, porque não se mede em tempo. Se medeexpondo o peito (às vezes os mamilos), discutindo, firmando o pé para dizer que foda-se o que o mundo pensa, é assim que eu sou.
E só quando a Editora Draco me chamou para publicar com eles eu decidi que estava na hora de atravessar de novo aquela porta e chegar a uma versão definitiva do Neon Azul. Para minha surpresa, eu consegui escrever o livro que eu queria. Exceto por um detalhe ou outro que me escapou, está tudo lá.

CL: Como funciona o seu processo criativo?
EN: Não funciona. É tudo muito caótico. Há algum tempo o meu pensamento não é linear. É por isso que minhas histórias são elípticas. E isso dá um puta trabalho. Para não me perder completamente, tenho algumas manhas. A primeira delas é dividir uma folha em branco em vários quadradinhos e decidir ali, antes de digitar a primeira letra, qual será o tamanho do livro e quantos capítulos ele terá, mais ou menos. Seria como montar a estrutura plástica antes de encher a piscina. Eu preciso recorrer o tempo inteiro a esse papel, me organizar especialmente, para o texto fluir. Não é raro ele se desdobrar em várias folhas coladas no meu painel de cortiça. Em seguida, eu crio os personagens, vejo qual deles carregará a história principal que eu quero contar e em que ponto da vida estarão os demais. Por fim, eu faço um recorte, no melhor estilo Mike Leigh. Essas histórias não necessariamente irão se completar. Haverá pontos de contato e pontos de desconexão. E está bom para mim assim. Um crítico definiu o Neon Azul como uma jamsession, elogiando e criticando ao mesmo tempo. Pois acho uma boa definição para o que faço. É a jamsession que eu quero. Nunca o som redondo do estúdio. Tenho me empenhado muito nisso. Em criar ruído.
Então é isso: divisão espacial, criação de personagens, definição das histórias, escolha do recorte. Depois, muita cabeçada na parede.

CL: Em quase todos os seus livros a noite é o ambiente central. Qual sua relação com o noturno?
EN: Em um primeiro instante, a noite do Rio de Janeiro foi meu palco de libertação, o momento de fuga no qual eu podia respirar mais fundo sem dar satisfação a ninguém. Como conto no Histórias da Noite Carioca, uma amiga me ligou e disse “se arruma e desce que vou passar aí,” sem me dizer para onde iríamos, e com isso eu descobri todo um universo de bares undergrounds e inferninhos onde eu me sentia muito bem, obrigado, e que se tornaram minha segunda casa. Mais tarde, esse universo virou a minha fonte de histórias. Eu me sentia tão bem nesses lugares que bastava estar lá, sentado em um canto, vendo a vida passar, para estar feliz.
A noite, em si, carrega muito drama. Ir ao lugar certo é se cercar de personagens maravilhosos, com a luz perfeita, a trilha sonora correta. Há um curta nacional chamado Velinhas, em que um grupo de amigos conversa em um apartamento e de repente falta luz. Graças à escuridão, os quatro se soltam e a conversa assume um tom mais ousado e sexual. Quando a luz volta, eles se envergonham e retomam uma postura careta. A noite tem essa força, ela mexe com aquilo que mantemos oculto durante o dia, afrouxa as correntes e cadeados que protegem nossos valores e sentimentos. Em um inferninho, não há pessoa com quem você converse que não tenha uma história interessante para contar, longe daquele ideal careta e moralista que muitos fingem ser o padrão. Principalmente depois do terceiro drinque.
Então, parte do baú emocional que serve de base para meus livros foi criado nessa época e eu recorro a ele com frequência. Mais adiante, veio a terceira e última evolução desse processo que foi o meu entendimento sobre o que eu queria escrever e com quem eu queria me comunicar. Eu sou um autor na fronteira entre a realidade e a fantasia. Meus personagens têm uma sexualidade fluida, caminham na penumbra, nem na luz, nem nas sombras. Eles também celebram, cada um à sua maneira, seus rituais de libertação. E por seguir essa trilha cinzenta, a realidade do autor, dos personagens e dos leitores se conectou de alguma maneira.O noturno faz parte do meu DNA.


CL: Seu último livro, A Sombra no Sol, tem como personagem principal um garoto de programa. Como foi escrevê-lo?
EN: Os textos de A Sombra no Sol nasceram no meu site, como um exercício de escrita. Eram pequenos, porque foi muito difícil de encarar a linguagem e a estrutura no começo. Conforme o tempo foi passando, fui ficando mais confortável com a cadência das frases, que é muito peculiar desse livro, e os textos cresceram, foram reescritos.
Como eram publicados semanalmente, eu recebia o feedbackdos leitores em tempo real. As pessoas reclamavam ou comemoravam cada vez que o Ícaro se deitava com um homem ou uma mulher, dependendo da fantasia de cada um. Pediam o retorno ou o afastamento de determinado personagem. Foi um processo gostoso, que me levou à liberdade que mencionei no início.
Dessa maneira, se no início era uma tortura escrever a história, no final eu e o Ícaro já ensaiávamos um novo kama sutra. O fato de ele ser garoto de programa foi a parte tranquila da criação. Ele era o personagem certo para os temas que eu queria abordar, mais um habitante da fronteira. Em A Sombra no Sol, nada está lá de graça. Nenhuma transa acontece por acaso. Os mais atentos perceberão que o Ícaro vive uma jornada completa durante o livro. Ele começa com uma visão de mundo fria e distante, decide mudar por conta do amor, se envolve com alguém e se fode por isso. Seu primeiro impulso é retornar ao mundo frio, mas é impossível para ele voltar a ser quem era. Então ele se perde em um meio termo, sem porto seguro, e o peso dessa perda de identidade leva ao clímax do livro que, no fim das contas, é também o seu começo.
Em suma, a estrutura do texto me desnorteou. Ele ser garoto de programa me divertiu.

CL: Atualmente, você está em duas grandes antologias: Geração Subzero, organizada por Felipe Penna, e Assim Você me Mata, organizada por Claudio Brites. Como é participar de dois projeto incríveis como esses?
EN: Cada passo é uma vitória, sempre. O legal desses dois livros é que eles me levaram até públicos que não me conheciam, o GeraçãoSubzero por ser de uma editora grande com excelente distribuição, e o Assim Você me Mata por ser uma coletânea mainstream. Escrever na fronteira entre a realidade e a fantasia é correr o risco de não agradar a nenhum dos dois públicos. É como ser bissexual e sofrer preconceito de heteros e gays. Então, quando eu tenho a oportunidade de participar de projetos assim e, de quebra, ainda recebo um feedback positivo, eu fico bastante feliz. Não por uma questão de vaidade, mas por um sentimento mais ingênuo. Aquela sensação de que o que você faz pode dar certo, mesmo não sendo convencional.

CL: Alguns de seus livros estão disponíveis em formato digital, os e-books. Você acha que eles funcionam para o público brasileiro?
EN: O Brasil é cyberpunk. Todo mundo tem celular. E você pode ler e-books no celular. Muita gente tem tablets de diferentes fabricantes, e eles também são uma plataforma de leitura de e-books. Aliás, você também pode fazer isso no seu computador. Agora chegaram os e-readersKindle e Kobo, que só servem para ler e-books. Eles deveriam ser muito mais baratos. Estão com um preço absurdo, se comparado aos valores lá de fora. Mas o fato é que eles estão vendendo bem.

Acho que nossa tendência é ser reticente com essas novidades. Tudo que é bacana a gente fica de pé atrás e diz: isso não vai colar no Brasil. Quando tem a ver com cultura então, sejam livros, filmes ou música, somos ainda mais pessimistas. Mas, felizmente, esse pessimismo não reflete a verdade.
Os e-books já funcionam para o público brasileiro. Não darão certo. Estão dando certo. Todas as editoras viram aumento de vendas de 2011 para 2012 e, o que é um dado mais relevante, um pico de vendas no Natal, época da chegada da Kobo-Cultura, iBooks, Google Play e Amazon como portais de venda.
Eu gosto muito de ver meus livros em papel e em e-book, não sou adepto daquela nostalgia do cheiro do papel, não gosto de ácaros.
A Sombra no Sol foi vendido primeiro como e-book, a pedido meu, e só depois chegou ao formato impresso. E suas histórias nasceram na internet. É isso o que eu apoio. Também gosto de ter meus contos vendidos em formato avulso, para que o leitor não seja obrigado a comprar a coletânea inteira para ler o meu material. E pelo que acompanho da Editora Draco, o formato tem se saído muito bem.

CL: Se você estivesse começando hoje, ainda consideraria ser escritor? Como você vê o mercado literário atual?
EN: O mercado literário acompanha os outros mercados. Quando o mundo está em crise, isso se reflete na venda de livros, afinal dinheiro é dinheiro. Nós não podemos esquecer que até pouco tempo o Brasil era um país de analfabetos, e que hoje se tornou um país de analfabetos funcionais. Há pouco mais de dez anos a inflação estava fora de controle, e as pessoas mal tinham dinheiro para comer, imagine comprar livros. Não tem milagre do dia para a noite. É preciso ter estabilidade econômica e investimento em educação e em políticas de estímulo cultural para mudar esse cenário, e isso demora. É uma batalha longa e lenta. Digo isso para não entrarmos naquele papo de “o brasileiro não lê.” É claro que lê. É claro que lê pouco, mas isso não é um dogma. Pode ser mudado.

Sobre ser escritor, estou em uma época de redefinir o papel da literatura na minha vida. Chegou ao fim a fase do deslumbramento. Sei o que quero entregar como autor de fantasia e sei o que quero escrever nos meus livros mais labirínticos. E, mais do que qualquer coisa, sei que não tenho pressa alguma de fazer isso.
Se eu ainda consideraria ser escritor? Sem nenhuma dúvida. Caso contrário, enlouqueço. Se eu teria publicado desde cedo como fiz? Provavelmente não.

CL: Da nova geração, qual escritor/livro você indica?
EN: Por estar mergulhado há dois anos na escrita do meu próximo livro, tenho acompanhado menos do que deveria o cenário literário ao meu redor, então essa resposta será incompleta, e peço desculpas por isso desde já, porque estamos passando por uma época de efervescência, com gente tentando sair da mesmice, mesmo sabendo o preço que isso tem, o que deveria gerar uma lista mais encorpada. 
Ainda assim, tenho três tiros certeiros para dar dentro da literatura especulativa: Jim Anotsu, Cirilo Lemos e Alliah. O Jim tem dois livros publicados: Annabel e Sarah e A Morte é Legal. Ambos com uma pegada juvenil e um texto muito gostoso de se acompanhar, com sacadas inteligentes que te fazem abrir um sorriso. O Cirilo Lemos publicou recentemente o livrão O Alienado e tem um bocado de contos por aí. É um cara muito elogiado. Ele é o nosso Philip K. Dick, com um texto irritante de tão bom, feito para ser incômodo. E a Alliah acabou de lançar a coletânea Metanfetaedro, de textos New Weird que flertam com o bizarro e o irracional. Ela é uma autora que, tenho certeza, verá seu trabalho se desdobrar em outras artes, num jeitão Clive Barker de ser, mas sem eletrodos no clitóris. Diria que é ou será literatura como experiência dos sentidos.
São três nomes para se acompanhar de perto.


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Um comentário:

  1. Adorei a entrevista. Já faz um tempo que tenho acompanhado o trabalho do Eric Novello pelas redes sociais e só este mês eu tive o prazer de ler um livro seu. Li Neon azul em versão digital e foi uma ótima experiência. Tanto ler em versão digital quanto ler este ótimo livro. Devo dizer que o Eric foi parte essencial na minha decisão de cursar Tradução e Intérprete esse ano. Legal saber mais sobre ele.

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