Hoje, no Casulo, um dos escritores mais respeitados dessa nova geração: Eric Novello.
Ele tem quatro livros publicados, participou de grandes antologias, como Geração Subzero, Fragmentos do Inferno e a mais recente, Assim Você me Mata. Pela Editora Draco, em 2012, lançou o seu mais recente A Sombra no Sol e prepara para esse ano, Magos Urbanos, três livros que permeiam o universo de fantasia de temática adulta.
Eric nasceu no Rio de Janeiro, mas mora, atualmente, em São Paulo. Estreou na literatura em 2004 com "Dante - O Guardião da Morte" e, além de publicar seus romances, atua como leitor crítico, copidesque e tradutor. Divide seu apartamento com Odin, seu gato, cultiva alguns cactos e não resiste a uma partida de Mortal Kombat. A seguir, uma entrevista o escritor falando um pouco sobre o início de sua carreira, o hiato que deu na literatura entre 2005 e 2010 e o carinho que cultiva por livros digitais.
Corrente Literária: Você escreve há oito
anos, mas houve um hiato grande entre o Noites Cariocas, seu livro de 2005, até
o Neon Azul, de 2010. Por que você deu esse tempo?
Eric Novello: Para te responder, vou
voltar um pouco no tempo e juntar as peças.
Quando decidi ser escritor, não sabia se conseguiria estruturar um
livro. Eu sentei em frente ao computador e me perguntei: e agora? De onde virão
as ideias? Como elas irão se organizar? Eu não sabia nada disso, tinha poucas
ferramentas disponíveis. Minha formação vinha da área biomédica e minha
biblioteca não era das maiores. Ainda assim, insisti no desafio e daí nasceu o
Dante, o guaridão da morte, meu maior romance até o momento. Com ele eu entendi
a disciplina necessária para tocar um projeto deste porte e a necessidade de
dizer não para os programas e conseguir tempo para a escrita. O Dante me
permitiu aprender o básico sobre um livro de entretenimento: eu criei
personagens interessantes, fiz uma pesquisa imensapara a ambientação, plantei
um monte de reviravoltas, gerenciei um elenco maior que o do Manoel Carlos. Mas
era pouco.
Embora o Dante fosse um herói atormentado, eu queria algo mais próximo
de mim, mais sincero.Então arrisquei o Histórias da Noite Carioca, um livro de
humor. Muito do que está lá são histórias vividas e ouvidas nos meus 20 anos de
idade. Ainda assim, havia um problema. Eu não era livre para ir aonde os
personagens precisassem, e um autor precisa ser livre, senão nada feito. Por n
motivos, eu tinha medo de me expor. O humor do Histórias nada mais é do que uma
barreira de proteção, se pararmos para pensar. Ele foi feito para rir, faltava
o resto.
Então eu me propus outro desafio, escrever o Neon Azul. E logo em suas
páginas iniciais eu fracassei. Eu não tinha o mínimo de condições de escrever o
que eu queria. Como autor, eu precisava de mais ferramentas, de maior bagagem
cultural. Como pessoa, eu precisava me livrar do medo de ser julgado, eu
precisava parar de me esconder. Por isso o intervalo de cinco anos. Nesse
período, fui tentando e fracassando dentro daquelas portas azuis.
Junto com a escrita, a vida foi se transformando também. Nesses cinco
anos eu comecei a trabalhar, conquistei minha independência financeira e tive a
experiência que mudou completamente o meu jeito de pensar: cursar escola de cinema
no Instituto Brasileiro de Audiovisual. Nessa época, li mais livros e vi mais
filmes do que tinha feito a vida inteira. E, melhor, tive por perto
profissionais de respeito para debater o meu entendimento sobre eles. Tive a
sorte de conviver com gente sem medo do mundo. Saí da minha zona de conforto e
mergulhei de cabeça naquele mundo novo que me convidada a habitá-lo. Para
treinar, escrevi dois livros de 60 mil palavras cada. Um deles uma versão de
Alice. O outro um policial surrealista. Aceitei convites para algumas
coletâneas. Criei uma série semanal no blog para me forçar a textos mais
complexos. E, mais importante do que tudo isso, comecei a procurar as chaves
das algemas que ainda prendiam meus pulsos.
Tenho um texto de linhas em simbiose com as entrelinhas. A história
descrita que faz o leitor imaginar a história de verdade. É assim que meus
livros fazem sentido, é assim que minha escrita se sustenta. Como autor,
demorei seis anos de prática e estudo para chegar aí, não no ápice, mas na base
de um processo que será constante e interminável. A vitória pessoal, essa me
custou bem mais, porque não se mede em tempo. Se medeexpondo o peito (às vezes
os mamilos), discutindo, firmando o pé para dizer que foda-se o que o mundo
pensa, é assim que eu sou.
E só quando a Editora Draco me chamou para publicar com eles eu decidi
que estava na hora de atravessar de novo aquela porta e chegar a uma versão
definitiva do Neon Azul. Para minha surpresa, eu consegui escrever o livro que
eu queria. Exceto por um detalhe ou outro que me escapou, está tudo lá.
CL: Como funciona o seu
processo criativo?
EN: Não funciona. É tudo muito caótico. Há algum tempo o meu pensamento não
é linear. É por isso que minhas histórias são elípticas. E isso dá um puta
trabalho. Para não me perder completamente, tenho algumas manhas. A primeira
delas é dividir uma folha em branco em vários quadradinhos e decidir ali, antes
de digitar a primeira letra, qual será o tamanho do livro e quantos capítulos
ele terá, mais ou menos. Seria como montar a estrutura plástica antes de encher
a piscina. Eu preciso recorrer o tempo inteiro a esse papel, me organizar
especialmente, para o texto fluir. Não é raro ele se desdobrar em várias folhas
coladas no meu painel de cortiça. Em seguida, eu crio os personagens, vejo qual
deles carregará a história principal que eu quero contar e em que ponto da vida
estarão os demais. Por fim, eu faço um recorte, no melhor estilo Mike Leigh.
Essas histórias não necessariamente irão se completar. Haverá pontos de contato
e pontos de desconexão. E está bom para mim assim. Um crítico definiu o Neon
Azul como uma jamsession, elogiando e
criticando ao mesmo tempo. Pois acho uma boa definição para o que faço. É a jamsession que eu quero. Nunca o som redondo
do estúdio. Tenho me empenhado muito nisso. Em criar ruído.
Então é isso: divisão espacial, criação de personagens, definição das
histórias, escolha do recorte. Depois, muita cabeçada na parede.
CL: Em quase todos os seus
livros a noite é o ambiente central. Qual sua relação com o noturno?
EN: Em um primeiro instante, a noite do Rio de Janeiro foi meu palco de
libertação, o momento de fuga no qual eu podia respirar mais fundo sem dar
satisfação a ninguém. Como conto no Histórias da Noite Carioca, uma amiga me
ligou e disse “se arruma e desce que vou passar aí,” sem me dizer para onde
iríamos, e com isso eu descobri todo um universo de bares undergrounds e
inferninhos onde eu me sentia muito bem, obrigado, e que se tornaram minha
segunda casa. Mais tarde, esse universo virou a minha fonte de histórias. Eu me
sentia tão bem nesses lugares que bastava estar lá, sentado em um canto, vendo
a vida passar, para estar feliz.
A noite, em si, carrega muito drama. Ir ao lugar certo é se cercar de
personagens maravilhosos, com a luz perfeita, a trilha sonora correta. Há um
curta nacional chamado Velinhas, em que um grupo de amigos conversa em um
apartamento e de repente falta luz. Graças à escuridão, os quatro se soltam e a
conversa assume um tom mais ousado e sexual. Quando a luz volta, eles se
envergonham e retomam uma postura careta. A noite tem essa força, ela mexe com
aquilo que mantemos oculto durante o dia, afrouxa as correntes e cadeados que
protegem nossos valores e sentimentos. Em um inferninho, não há pessoa com quem
você converse que não tenha uma história interessante para contar, longe
daquele ideal careta e moralista que muitos fingem ser o padrão. Principalmente
depois do terceiro drinque.
Então, parte do baú emocional que serve de base para meus livros foi
criado nessa época e eu recorro a ele com frequência. Mais adiante, veio a
terceira e última evolução desse processo que foi o meu entendimento sobre o
que eu queria escrever e com quem eu queria me comunicar. Eu sou um autor na
fronteira entre a realidade e a fantasia. Meus personagens têm uma sexualidade
fluida, caminham na penumbra, nem na luz, nem nas sombras. Eles também
celebram, cada um à sua maneira, seus rituais de libertação. E por seguir essa
trilha cinzenta, a realidade do autor, dos personagens e dos leitores se
conectou de alguma maneira.O noturno faz parte do meu DNA.
CL: Seu último livro, A
Sombra no Sol, tem como personagem principal um garoto de programa. Como foi
escrevê-lo?
EN: Os textos de A Sombra no Sol nasceram no meu site, como um exercício de
escrita. Eram pequenos, porque foi muito difícil de encarar a linguagem e a
estrutura no começo. Conforme o tempo foi passando, fui ficando mais
confortável com a cadência das frases, que é muito peculiar desse livro, e os
textos cresceram, foram reescritos.
Como eram publicados semanalmente, eu recebia o feedbackdos leitores em
tempo real. As pessoas reclamavam ou comemoravam cada vez que o Ícaro se
deitava com um homem ou uma mulher, dependendo da fantasia de cada um. Pediam o
retorno ou o afastamento de determinado personagem. Foi um processo gostoso,
que me levou à liberdade que mencionei no início.
Dessa maneira, se no início era uma tortura escrever a história, no
final eu e o Ícaro já ensaiávamos um novo kama sutra. O fato de ele ser garoto
de programa foi a parte tranquila da criação. Ele era o personagem certo para os
temas que eu queria abordar, mais um habitante da fronteira. Em A Sombra no
Sol, nada está lá de graça. Nenhuma transa acontece por acaso. Os mais atentos
perceberão que o Ícaro vive uma jornada completa durante o livro. Ele começa
com uma visão de mundo fria e distante, decide mudar por conta do amor, se
envolve com alguém e se fode por isso. Seu primeiro impulso é retornar ao mundo
frio, mas é impossível para ele voltar a ser quem era. Então ele se perde em um
meio termo, sem porto seguro, e o peso dessa perda de identidade leva ao clímax
do livro que, no fim das contas, é também o seu começo.
Em suma, a estrutura do
texto me desnorteou. Ele ser garoto de programa me divertiu.
CL: Atualmente, você está
em duas grandes antologias: Geração Subzero, organizada por Felipe Penna, e
Assim Você me Mata, organizada por Claudio Brites. Como é participar de dois
projeto incríveis como esses?
EN: Cada passo é uma vitória, sempre. O legal desses dois livros é que eles
me levaram até públicos que não me conheciam, o GeraçãoSubzero por ser de uma
editora grande com excelente distribuição, e o Assim Você me Mata por ser uma
coletânea mainstream. Escrever na fronteira entre a realidade e a fantasia é
correr o risco de não agradar a nenhum dos dois públicos. É como ser bissexual
e sofrer preconceito de heteros e gays. Então, quando eu tenho a oportunidade
de participar de projetos assim e, de quebra, ainda recebo um feedback
positivo, eu fico bastante feliz. Não por uma questão de vaidade, mas por um
sentimento mais ingênuo. Aquela sensação de que o que você faz pode dar certo,
mesmo não sendo convencional.
CL: Alguns de seus livros
estão disponíveis em formato digital, os e-books. Você acha que eles funcionam
para o público brasileiro?
EN: O Brasil é cyberpunk. Todo mundo tem celular. E você pode ler e-books no
celular. Muita gente tem tablets de diferentes fabricantes, e eles também são
uma plataforma de leitura de e-books. Aliás, você também pode fazer isso no seu
computador. Agora chegaram os e-readersKindle e Kobo, que só servem para ler
e-books. Eles deveriam ser muito mais baratos. Estão com um preço absurdo, se
comparado aos valores lá de fora. Mas o fato é que eles estão vendendo bem.
Acho que nossa tendência é ser reticente com essas novidades. Tudo que é
bacana a gente fica de pé atrás e diz: isso não vai colar no Brasil. Quando tem
a ver com cultura então, sejam livros, filmes ou música, somos ainda mais
pessimistas. Mas, felizmente, esse pessimismo não reflete a verdade.
Os e-books já funcionam para o público brasileiro. Não darão certo.
Estão dando certo. Todas as editoras viram aumento de vendas de 2011 para 2012
e, o que é um dado mais relevante, um pico de vendas no Natal, época da chegada
da Kobo-Cultura, iBooks, Google Play e Amazon como portais de venda.
Eu gosto muito de ver meus
livros em papel e em e-book, não sou adepto daquela nostalgia do cheiro do
papel, não gosto de ácaros.
A Sombra no Sol foi
vendido primeiro como e-book, a pedido meu, e só depois chegou ao formato
impresso. E suas histórias nasceram na internet. É isso o que eu apoio. Também
gosto de ter meus contos vendidos em formato avulso, para que o leitor não seja
obrigado a comprar a coletânea inteira para ler o meu material. E pelo que
acompanho da Editora Draco, o formato tem se saído muito bem.
CL: Se você estivesse
começando hoje, ainda consideraria ser escritor? Como você vê o mercado
literário atual?
EN: O mercado literário acompanha os outros mercados. Quando o mundo está em
crise, isso se reflete na venda de livros, afinal dinheiro é dinheiro. Nós não
podemos esquecer que até pouco tempo o Brasil era um país de analfabetos, e que
hoje se tornou um país de analfabetos funcionais. Há pouco mais de dez anos a
inflação estava fora de controle, e as pessoas mal tinham dinheiro para comer,
imagine comprar livros. Não tem milagre do dia para a noite. É preciso ter
estabilidade econômica e investimento em educação e em políticas de estímulo
cultural para mudar esse cenário, e isso demora. É uma batalha longa e lenta.
Digo isso para não entrarmos naquele papo de “o brasileiro não lê.” É claro que
lê. É claro que lê pouco, mas isso não é um dogma. Pode ser mudado.
Sobre ser escritor, estou em uma época de redefinir o papel da
literatura na minha vida. Chegou ao fim a fase do deslumbramento. Sei o que
quero entregar como autor de fantasia e sei o que quero escrever nos meus
livros mais labirínticos. E, mais do que qualquer coisa, sei que não tenho
pressa alguma de fazer isso.
Se eu ainda consideraria ser escritor? Sem nenhuma dúvida. Caso
contrário, enlouqueço. Se eu teria publicado desde cedo como fiz? Provavelmente
não.
CL: Da nova geração, qual
escritor/livro você indica?
EN: Por estar mergulhado há dois anos na escrita do meu próximo livro, tenho
acompanhado menos do que deveria o cenário literário ao meu redor, então essa
resposta será incompleta, e peço desculpas por isso desde já, porque estamos
passando por uma época de efervescência, com gente tentando sair da mesmice,
mesmo sabendo o preço que isso tem, o que deveria gerar uma lista mais
encorpada.
Ainda assim, tenho três tiros certeiros para dar dentro da literatura
especulativa: Jim Anotsu, Cirilo Lemos e Alliah. O Jim tem dois livros publicados: Annabel e Sarah e A Morte é
Legal. Ambos com uma pegada juvenil e um texto muito gostoso de se acompanhar,
com sacadas inteligentes que te fazem abrir um sorriso. O Cirilo Lemos publicou
recentemente o livrão O Alienado e tem um bocado de contos por aí. É um cara
muito elogiado. Ele é o nosso Philip K. Dick, com um texto irritante de tão
bom, feito para ser incômodo. E a Alliah acabou de lançar a coletânea
Metanfetaedro, de textos New Weird que flertam com o bizarro e o irracional.
Ela é uma autora que, tenho certeza, verá seu trabalho se desdobrar em outras
artes, num jeitão Clive Barker de ser, mas sem eletrodos no clitóris. Diria que
é ou será literatura como experiência dos sentidos.
Adorei a entrevista. Já faz um tempo que tenho acompanhado o trabalho do Eric Novello pelas redes sociais e só este mês eu tive o prazer de ler um livro seu. Li Neon azul em versão digital e foi uma ótima experiência. Tanto ler em versão digital quanto ler este ótimo livro. Devo dizer que o Eric foi parte essencial na minha decisão de cursar Tradução e Intérprete esse ano. Legal saber mais sobre ele.
ResponderExcluir